Resumo - FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE L.S. VYGOTSKY

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Interação entre aprendizado e desenvolvimento

Para Vygotsky, as concepções so­bre a relação entre os processos de aprendizado e desenvolvimento reduzem-se a três posições teóricas, to­das por ele rejeitadas:
1a - Parte da premissa que o aprendizado segue a trilha do desen­volvimento, pressupondo que o de­senvolvimento é independente do aprendizado. O aprendizado seria um processo externo que se utiliza dos avanços do desenvolvimento mas não o impulsiona nem altera seu curso. O desenvolvimento (ou maturação) é considerado pré-condição para o aprendizado e nunca o resultado dele. Se as funções mentais de uma crian­ça não amadureceram o suficiente para aprender um determinado assun­to, nenhuma instrução se mostrará útil. Piaget seria representante desta linha;
2a - Postula que aprendizagem é desenvolvimento. O desenvolvimen­to é visto como o domínio dos reflexos condicionados. A diferença com ­relação ao primeiro grupo relaciona-se ao tempo. Para os primeiros, o desenvolvimento precede a aprendizagem. Para estes, os dois processos são simultâneos. James representa esta linha;
3a - Tenta superar os extremos das duas primeiras, combinando-as. Para os defensores desta linha (Koffka, gestaltistas), o desenvolvimento se baseia em dois processos diferentes (maturação e aprendizado), porém relacionados e mutuamente depen­dentes, sendo que um influencia o outro. Assim, a maturação (desenvol­vimento do sistema nervoso) torna possível o aprendizado e este estimula a maturação. Assim, ao aprender de­terminada operação, a criança cria estruturas mentais de um certo tipo. independentemente dos materiais e elementos envolvidos.
Portanto, o desenvolvimento é sempre um con­junto maior que o aprendizado.
Segundo Vygotsky, essa discussão leva a um velho problema pedagógi­co: a relação entre disciplina formal e transferência de aprendizagem. Movimentos pedagógicos tradicionais têm justificado a ênfase em discipli­nas aparentemente irrelevantes para a vida diária (línguas clássicas, por exemplo), por sua influência sobre o desenvolvimento global: se o estudan­te aumenta sua atenção ao estudar gramática latina, aumentaria sua capacidade de focalizar atenção sobre qualquer outra tarefa. O pressuposto é que as capacidades mentais funcionam independentemente do material com que operam. Para o autor, Thorndike e Woodworth desmontaram esse argumento ao demonstrar, por exemplo, que a velocidade de somar números não está relacionada à velocidade de dizer antônimos.

Zona de desenvolvimento proximal : uma nova abordagem

Vigotsky apresenta uma nova posição com relação às três anteriores. Oaprendizado, diz ele, começa muito antes de as crianças frequentarem a escola. Qualquer situação de aprendizado escolar tem uma história pré­via. Por exemplo, antes de aprender aritmética a criança já lidou com no­ções de quantidade, de adição e ou­tras operações, de comparação de tamanhos etc. A diferença é que o aprendizado escolar está voltado para a assimilação de fundamentos do conhecimento científico. Diz o autor: "Aprendizagem e desenvolvimento es­tão inter-relacionados desde o primeiro dia de vida da criança" (p. 95). O apren­dizado escolar produz algo novo no desenvolvimento da criança, além da pura sistematização. Para esclarecer esse "algo novo", Vygotsky apresenta o conceito de zona de desenvolvi­mento proximal. Para ele, existem dois níveis de desenvolvimento:
1° - nível de desenvolvimento real, que é o resultado ou produto final de ciclos de desenvolvimento já completados. Por exemplo, a idade mental de uma criança medida num teste. Esse nível é dado por aquilo que a criança consegue fazer por si mes­ma, isto é, pela solução independen­te de problemas. Ele caracteriza o desenvolvimento mental retrospecti­vamente.
2° - nível de desenvolvimento proximal, que define as funções que estão em processo de maturação, o estado dinâmico de desenvolvimento: é a distância entre o nível de desenvolvimento real e o nível de de­senvolvimento potencial. O nível de desenvolvimento proximal é determi­nado através da solução de proble­mas sob a orientação de adultos e em colaboração com companheiros mais capazes (quando o professor inicia a solução e a criança completa, por exemplo). Ele caracteriza o desenvol­vimento mental prospectivamente.
Assim, aquilo que é zona de de­senvolvimento proximal hoje será zona de desenvolvimento real amanhã. Ou, em outras palavras, o que a criança faz hoje com assistência, amanhã fará sozinha.
O conceito de zona de desenvol­vimento proximal leva a uma reavaliação do papel da imitação no aprendizado. Para Vygotsky, a imita­ção não é um processo meramente mecânico, uma pessoa só consegue imitar aquilo que está no seu nível de desenvolvimento. Por exemplo, se o professor usa material concreto para resolver um problema, a criança entende; caso ele utilize processos ma­temáticos superiores, a criança não compreende a solução, não importa quantas vezes a copie.
Uma consequência disso é a mu­dança nas conclusões que podem ser tiradas de testes diagnósticos de de­senvolvimento. A zona de desenvol­vimento real medida pelos testes ori­enta "o aprendizado de ontem", isto é, os estágios já completados, sen­do, portanto, ineficaz para orientar o aprendizado futuro. A zona de desen­volvimento proximal permite propor uma nova fórmula: o bom aprendi­zado é aquele que se adianta ao de­senvolvimento. Assim, para Vygotsky, o aprendizado desperta processos internos de desenvolvimento que são capazes de operar somente quando a criança interage em seu ambiente e em cooperação com seus compa­nheiros, uma vez internalizados, es­ses processos tornam-se aquisições independentes.
A grande diferença do homem com o animal é que este último não consegue resolver problemas de for­ma independente, por mais que seja treinado.
Resumindo: para Vygotsky, os processos de desenvolvimento não coincidem com os processos de aprendizado. O desenvolvimento pro­gride de forma mais lenta e atrás de aprendizado.

O papel do brinquedo no desenvolvimento

Para Vygotsky, o brinquedo exer­ce enorme influência na promoção do desenvolvimento infantil, apesar de não ser o aspecto predominante da infância. Para ele, o termo brinquedo refere-se essencialmente ao ato de brincar, à atividade. Embora menci­one modalidades diferentes de brinquedos, como jogos esportivos, seu foco é o estudo dos jogos de papéis ou brincadeiras de faz-de-conta (ma­mãe e filhinha, por exemplo), típicas de crianças que aprendem a falar e, portanto, já são capazes de represen­tar simbolicamente e envolver-se em situações imaginárias. A característi­ca definidora do brinquedo, por ex­celência, é a situação imaginária.
A imaginação é uma função da consciência que surge da ação. É ati­vidade consciente, um modo de fun­cionamento psicológico especifica­mente humano, não presente na consciência da criança muito peque­na (com menos de três anos) e inexistente nos animais. A criança muito pequena quer a satisfação ime­diata de seus desejos. Ela não con­segue agir de forma independente daquilo que vê, há uma fusão entre o que é visto e seu significado, um exemplo é a seguinte situação: "Tâ­nia está sentada. Pede-se à criança que repita a frase: Tânia está de pé. Ela mudará a frase para: Tânia está sentada".
É na idade pré-escolar que ocorre a diferenciação entre o campo de sig­nificado e o campo de visão. O pen­samento passa, de regido pelos objetos externos, a regido pelas idéias. A criança começa a utilizar materiais para representar a realidade ausen­te. Por exemplo, um cabo de vassou­ra representa um cavalo. Diz o autor: "A criança vê um objeto, mas age de maneira diferente daquilo que vê. Assim, é alcançada uma condição em que a criança começa a agir indepen­dentemente daquilo que ela vê" (p. 110). Mas essa transformação -separar o pensamento (significado da palavra) do objeto - não se realiza de uma só vez. O objeto torna-se o pivô da separação entre o pensamento e o objeto real. Então, para imaginar um cavalo, a criança usa um "cava­lo" de pau. Vygotsky situa o começo da imaginação humana na idade de três anos.
O brinquedo é uma forma de satis­fazer os desejos não realizáveis da cri­ança, de suprir a necessidade que ela tem de agir em relação mundo adulto, extrapolando o universo dos objetos a que ela tem acesso. É através do brin­quedo que ela pode dirigir um carro ou preparar uma refeição, por exem­plo. A brincadeira é uma forma de re­solver um impasse: a necessidade de ação da criança, com gratificação ime­diata versus a impossibilidade de executar essas ações na vida real e lidar com desejos que só podem ser satisfeitos no futuro. Essa contradição é explorada e resolvida temporariamen­te através do brinquedo.
Projetando-se nas atividades adul­tas de sua cultura, a criança procura ser coerente com os papéis assumi­dos e seguir as regras de comporta­mento adequadas à situação represen­tada. Por exemplo, ao imaginar-se como mãe de sua boneca, a menina faz questão de obedecer as regras do comportamento maternal. Ensaia, as­sim, seus futuros papéis e valores. Nesse processo, a imitação também ganha destaque: imitar os mais velhos gera desenvolvimento intelectual e do pensamento abstrato. O esforço de manter a fidelidade ao que observa faz com a criança atue num nível mais avançado ao habitual para sua idade. "No brinquedo é como se ela fosse maior do que é na realidade" (p. 117), diz Vygotsky. Assim, ao atuar no mun­do imaginário, seguindo suas regras, cria-se uma zona de desenvolvimento proximal, pois há o impulso em direção a conceitos e processos em de­senvolvimento.
O prazer não é a característica que define o brinquedo. Ele preenche uma necessidade da criança. Para Vygotsky, o mais importante no jogo de papéis de que as crianças participam é induzi-las a adquirir regras de comportamento. Toda situação ima­ginária contém regras de comporta­mento, assim como todo jogo de re­gras contém uma situação imaginá­ria. No brinquedo a criança tem que ter autocontrole, tem que agir contra o impulso imediato, uma vez que deve seguir as regras. Satisfazer as regras torna-se um desejo para a criança e é esse o atributo essencial do brin­quedo.
Para Vygotsky, o brinquedo é o mais alto nível de desenvolvimento pré-escolar. "A criança desenvolve-se, essencialmente, através da atividade de brinquedo" (p. 117), diz ele. E mais adiante: "Na idade escolar, o brinque­do não desaparece mas permeia a atitude em relação à realidade" (p. 118). A instrução e o aprendizado na escola também estão avançados em relação ao desenvolvimento cognitivo. Tanto o brinquedo quanto a instrução escolar criam uma zona de desenvolvimento proximal.

A pré-história da linguagem escrita
A conquista da linguagem é um marco no desenvolvimento do ho­mem. Ela possibilita, dentre outras coisas, que o homem planeje a solu­ção para um problema antes de sua execução. O domínio da linguagem oral promove mudanças profundas, pois permite à criança organizar seu modo de agir e pensar e formas mais complexas de se relacionar com o mundo.
A aquisição da linguagem escrita representa um novo salto no desen­volvimento da pessoa e provoca uma mudança radical das características psicointelectuais da criança. Para Vygotsky, esse complexo sistema de signos que é a linguagem escrita for­nece um novo instrumento de pen­samento à criança, permite outra for­ma de acesso ao patrimônio cultural da humanidade (contido nos livros e outros tipos de textos) e promove novas formas de relacionamento com as outras pessoas e com o conheci­mento.
O aprendizado da escrita - pro­duto cultural construído ao longo da história da humanidade - é um pro­cesso bastante complexo e começa muito antes de o professor colocar um lápis na mão da criança pela pri­meira vez. Vigotsky critica o ensino da escrita apenas como habilidade motora. Diz ele: "Ensina-se a criança a desenhar letras e a construir pala­vras com elas, mas não se ensina a linguagem escrita. Enfatiza-se de tal forma a mecânica de ler o que está escrito que acaba-se obscurecendo a linguagem escrita como tal" (p. 119). A linguagem escrita é diferente da falada, pois exige um "treinamento artificial" que requer esforços e atenção enormes por parte do aluno e do professor. Então há o perigo de rele­gar-se a linguagem escrita viva a um segundo plano, com ênfase na técni­ca (como aprender a tocar piano).
A escrita é um sistema de repre­sentação simbólica da realidade bas­tante sofisticado. O processo de de­senvolvimento da linguagem escrita pode parecer desconexo e confuso mas possui uma linha histórica unificada que conduz às formas su­periores da linguagem escrita. Isso significa que:
num primeiro momento, a lin­guagem escrita constitui um simbolismo de segunda ordem, ou seja, um sistema de signos que designam os sons e as pa­lavras da linguagem falada; a linguagem falada constitui um sistema de símbolos de primei­ra ordem, isto é, signos de en­tidades reais e suas relações;
gradualmente há uma reversão a um estágio de primeira or­dem: a língua falada desapa­rece como elo intermediário e a linguagem escrita adquire um caráter de simbolismo direto, passando a ser percebida da mesma maneira que a lingua­gem falada.
Vygotsky aponta uma continuida­de entre as diversas representações simbólicas da realidade que a crian­ça realiza: gestos, desenhos, brinque­dos. Estas atividades, como formas de representação simbólica, contribu­em para o processo de aquisição da linguagem escrita. A história do desenvolvimento da linguagem escrita na criança começa com o apareci­mento do gesto como "signo visual inicial que contém a futura escrita da criança como uma semente contém um futuro carvalho" (p. 121). Os sig­nos são a fixação de gestos. Para Vygotsky, há uma íntima relação en­tre a representação por gestos e a representação pelos primeiros rabiscos e desenhos das crianças.
O brinquedo, ao exercer uma fun­ção simbólica, também está ligado à linguagem escrita. O brinquedo sim­bólico é uma espécie de "fala" através de gestos que dá significado aos objetos usados para brincar. Por exemplo: um livro designa uma casa, um lápis significa uma pessoa.
A criança só começa a desenhar quando a linguagem falada já alcan­çou grande progresso. A esse respei­to, Vygotsky diz: "O desenho é uma linguagem gráfica que surge tendo por base a linguagem verbal" (p. 127), sen­do considerado, portanto, um estágio preliminar no desenvolvimento da lin­guagem escrita. Para Vygotsky (citan­do Hetzer), a fala é a representação simbólica primária, base de todos os demais sistemas de signos. Na idade escolar, a criança apresenta uma ten­dência de passar de uma escrita pictográfica (baseada na representa­ção simplificada dos objetos da reali­dade) para uma escrita ideográfica (representações através de sinais simbó­licos abstratos). Gradualmente as cri­anças substituem traços indiferen­ciados por rabiscos simbolizadores, substituídos, por sua vez, por peque­nas figuras e desenhos e, finalmente, pelos signos. Para chegar a isso, a cri­ança precisa descobrir que, além de coisas, pode-se desenhar a fala. O de­senvolvimento da linguagem escrita se dá pelo deslocamento do desenho de coisas para o desenho de palavras. As­sim, o brinquedo de faz-de-conta, o desenho e a escrita são momentos di­ferentes de um processo unificado de desenvolvimento da linguagem escri­ta. Desenhar e brincar são, portanto, estágios preparatórios ao desenvolvi­mento da linguagem escrita.
A partir dessas descobertas, Vygotsky chega a três conclusões de caráter prático:
1ª - seria natural transferir o ensi­no da escrita para a pré-escola, pois as crianças mais no­vas já são capazes de desco­brir a função simbólica da es­crita;
2ª - a escrita deve ter significado para as crianças, a necessida­de de aprender a escrever deve ser despertada e vista como necessária e relevante para a vida: "Só então poderemos estar certos de que ela se de­senvolverá não como hábito de mãos e dedos, mas como uma forma nova e complexa de lin­guagem" (p. 133);
3ª - há necessidade de a escrita ser ensinada naturalmente: os aspectos motores devem ser acoplados ao brinquedo e o escrever deve ser "cultivado" ao invés de "imposto". A criança deve ver a escrita como mo­mento natural de seu desenvol­vimento e não como treina­mento imposto de fora para dentro: "o que se deve fazer é ensinar às crianças a lingua­gem escrita, e não apenas a escrita das letras" (p. 134), diz Vygotsky.
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Retirado do site Professor Efetivo 

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